domingo, 20 de fevereiro de 2011

RECLAMAÇÃO; MEDIDA PROCESSUAL DE CARÁTER ACENTUADAMENTE DISCIPLINAR E CORREICIONAL

As decisões do STF que versam sobre a natureza jurídica da reclamação têm sido um tanto quanto erráticas, apontando em direções diversas a cada novo julgamento.



1. Origem e objeto

A reclamação, segundo nos narra Pontes de Miranda, foi criada pela Justiça do Distrito Federal, e mais tarde incorporada pelo STF, "para quando houvesse subversão patente da hierarquia judicial, portanto em casos especialíssimos de desrespeito a julgado seu em que se tivesse de aguardar ação rescisória (Min. Orosimbo Nonato), ou revisão criminal" (1974, p. 387).
"Em leis de organização judiciária ou em regimentos internos, aludiu-se, de certo tempo para cá, à reclamação contra atos dos juízes, em caso de erro judiciário, se não cabe recurso.. Não faltou reação, na doutrina e na jurisprudência; mas o ambiente ditatorial e, ainda depois da ditadura, a mentalidade de juízes formados durante a ditadura foram propícios à medida correcional. O Supremo Tribunal Federal pô-la, finalmente, no seu Regimento Interno [de 1940, através da Emenda de 2 de outubro de 1957]. Hoje, no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal [de 1970] estão os arts. 7º, I, h), e 161, e os art. 85-88" (Pontes de Miranda, 1974, p. 382-383).
"A medida processual, de caráter acentuadamente disciplinar e correcional, denominada reclamação, embora não prevista, de modo expresso, no art. 101, I a IV, da CF/46, tem sido admitida pelo Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, exercendo-se, nesses casos, sua função corregedora, a fim de salvaguardar a extensão e os efeitos de seus julgados, em cumprimento dos quais se avocou legítima e oportuna intervenção. A medida da reclamação compreende a faculdade cometida aos órgãos do Poder Judiciário para, em processo especial, corrigir excessos, abusos e irregularidades derivados de atos de autoridades judiciárias, ou de serventuários que lhes sejam subordinados. Visa manter em sua inteireza a plenitude o prestígio da autoridade, a supremacia da lei, a ordem processual e a força da coisa julgada. É sem dúvida meio idôneo para obviar os efeitos de atos de autoridades, administrativas ou judiciárias, que, pelas circunstâncias excepcionais, de que se revestem, exigem a pronta aplicação de corretivo, energético, imediato e eficaz que impeça a prossecução de violência ou atentado à ordem jurídica. Assim, a proposição em apreço entende com a atribuição concedida a este Tribunal pelo art. 97, II, da Carta Magna, e vem suprir omissão contida no seu Regimento Interno" (Min. Ribeiro da Costa apud Silva Pacheco, 2002, p. 606).
Para Pontes de Miranda a reclamação nada mais é do que espécie de correição, sendo essa a sua conformação regimental inicial e o entendimento jurisprudencial majoritário à época (1974, p. 382-383). No mesmo sentido, o Min. Nelson Hungria chegou a afirmar que a lei sobre mandado de segurança "oficializou, indiretamente, o expediente da reclamação correicional perante as instâncias superiores, ao dispor que esse writ somente cabe quando se trata de ato judicial, se não couber recurso com efeito suspensivo ou não for o ato passível de correição, ou seja, de reclamação" (voto in Rcl nº 141, rel. Min. Barros Barreto, j. 03/11/1952).
Em 1969, como Decreto-Lei nº 1002 – Código de Processo Penal Militar – foi introduzida a reclamação no âmbito da Justiça Militar, nos art. 584-586.
Com a Constituição de 1988, esse instrumento passou a ter previsão no texto constitucional – art. 102, I, l e 105, I, f. Assim, alçado a instrumento de extração constitucional, "destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça" (Min. Celso de Mello, in Rcl-AgR nº 354, j. 16/5/1991).
Mais tarde vieram algumas previsões em textos legais, tal como a Lei nº 8038/1990, arts. 13-18, tratando da reclamação no âmbito do STF e STJ. Pouco mais tarde, a Lei nº 8.457/1992, que organizou a Justiça Militar Federal, reforçou a competência do STM para julgar reclamações – art. 6º, I, f.

2. Natureza jurídica

Apesar de ser um instrumento já existente há algum tempo em nosso sistema jurídico, a reclamação ainda é pouco estudada, e não há consenso quanto à sua natureza jurídica.
Para Pontes de Miranda a reclamação "não é recurso; é ação contra ato do juiz suscetível de exame fora da via recursal" (1974, p. 384). Porém, o citado autor considera a reclamação ora estudada equivalente à correição parcial, que tem natureza eminentemente administrativa e não jurisdicional [02]. Isso nos leva a crer que em conceituação utilizou-se do termo "ação" no sentido de "ação de direito material", a actio, e não como "remédio processual".
Assim é que Frederico Marques a considerou providência de caráter administrativo, tal como a correição parcial (apud Gisele Góes, 2007, p. 467, nota 2). 
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